Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1977
Fernando Ferreira (*)
“Jornal do Sertão”, “Casa de farinha”, “Viva Cariri”, “Segunda feira”, “Casa grande e senzala” são alguns dos títulos da importante carreira do cineasta Geraldo Sarno, como documentarista do Nordeste brasileiro. É forte a corrente que o considera inexcedível nesse campo, onde faz arte e ciência com uma absoluta honestidade e uma tranqüilidade clarividência. Seus são alguns dos mais belos e mais límpidos documentários que se fazem atualmente no mundo. Essas qualidades não se antegorizaram com seu primeiro longa-metragem de ficção – “O sítio do pica pau amarelo” – onde fez um Lobato parecido com os filmes de Geraldo Sarno e por isto muita gente torceu o nariz.
Depois de realizar um admirável trabalho de documentação de terreiros de candomblé, na Bahia (o filme “Iaô”, premiado no último festival de Brasília), Geraldo ocupou todo o tempo dos últimos meses num longa-metragem sobre a vida de Delmiro Gouveia, o homem que primeiro fustigou os cavalos adormecidos, em sono de séculos, da cachoeira de Paulo Afonso, na expressão de Graciliano Ramos. De origem modesta, Delmiro Gouveia, que nasceu em 1863, foi um inovador audacioso no comércio do Recife e, posteriormente, quando obrigado por perseguição política a refugiar-se no interior de Alagoas, um empresário e industrial que enxergava muito adiante do seu tempo. Extraiu energia das águas do São Francisco: montou uma fábrica de linhas e de tecidos; construiu moderníssima vila operária, buscando mão de obra entre os camponeses do Sertão; organizou, com energia inflexível, um modelo de sociedade de trabalho; abriu estradas; dotou de luz a cidade de Pedra (hoje Delmiro Gouveia, em Alagoas), que encontrara paupérrima, em 1903, antes que Recife se despedisse dos lampiões de gás; enfrentou com altivez e intransigência os concorrentes estrangeiros do seu negócio. E sonhou com muito mais, até que o mataram, em 1917, sem que até hoje o crime tenha sido convincentemente esclarecido.
O cineasta que mais documentou o Sertão do Nordeste brasileiro, muito naturalmente desejou contar a história de Delmiro Gouveia. E o encontro de quem tanto recolheu a imagem do desenvolvimento com alguém que terá pretendido, quem sabe, supera-lo com indômita disposição. Geraldo Sarno ultima nestes dias, seu longa-metragem de ficção “Delmiro Gouveia”. Um dos filmes brasileiros do qual mais se deve esperar pelo que contém de talento, de verdade e emoção muito nossa. Geraldo e Rubens de Falco, diretor e ator, falam do filme que fizeram juntos.
Geraldo Sarno: atiraram no homem para matar a fábrica. Não se sabe quem foi.
FF - Geraldo, como se explica que haja uma tão grande desinformação sobre a figura histórica de Delmiro Gouveia?
GS - Existe um autor, um dos vários biógrafos de Delmiro, que chega a contar que, em torno da figura do Delmiro, exista uma “conspiração do silêncio”. Ele usa exatamente esta expressão. Dizer que existe alguma coisa de orquestrado neste sentido, é difícil de afirmar. Mas não deixa de ser estranho que uma figura da importância que ele tem, seja tão desconhecida no País. Eu mesmo tive o meu primeiro contato com a figura do Delmiro quando me encontrava no Nordeste, fazendo documentários, com o Affonso Beato e o Thomas Farkas, e que cheguei a primeira vez em Paulo Afonso, a cachoeira, e lá vi a usininha pendurado no penhasco do outro lado de Alagoas. E informando-me do que se tratava, soube que tinha sido a primeira usina feita em Paulo Afonso, no início do século, por um cara que tinha sido assassinado, que tinha uma fábrica de linhas de costurar. E foi assim, por acaso, que descobri a existência desse personagem.
FF - O seu filme procurou situar o personagem central desde os seus primórdios ou quando se iniciou comerciante de peles, ou foi direto para a cidade de Pedra, nas Alagoas, onde a obra dele teve a expressão nacional que se conhece?
GS - Não procurei fazer um filme biográfico-histórico no sentido tradicional. O filme é uma visão de cineasta da vida de Delmir Gouveia e aborda a história do personagem a partir de um determinado momento de sua vida no Recife, e daí na sua ida para o Sertão. De toda a formação do grande comerciante que ele já era, no Recife, a gente tem apenas uma referência através de umas duas cenas, que são as inaugurações do Derby, o famoso mercado por ele mandado construir e que logo foi incendiado no final do século, no Recife. Este incêndio inicia, aliás o filme, que já pega Delmiro, digamos assim, no “tope”, já na sua fase de oposição à oligarquia do açúcar, sob o comando de Rosa e Silva, então Vice-Presidente da República. É que essa oligarquia contraditava os seus interesses de empresário modernizador, de introdutor de um mercado novo, de uma relação de venda ao consumidor muito mais barata do que permitiam os métodos daquelas estruturas tradicionais. Assim, ele se chocou com o Governador, Prefeito e Vice-Presidente, e mais ainda quando da aventura amorosa que teve com a enteada do Governador, pela qual largou a família e tudo que tinha de estrutura comercial, raptou essa moça e foi se esconder perto da cidade de Pedra, junto a um coronel local, Ulysses Luna. E é aí que ele começa uma nova vida, e desenvolve uma atividade que no torna muito significativo como figura da nossa História.
FF - Essa nova vida pela qual ele opta, e que se tornou o ponto central do seu filme, é um corte ou uma reformulação em relação ao passado até que então vivera?
GS - De uma certa maneira, é um corte. Delmiro foi um desses personagens com uma capacidade marcante de apagar o passado e se renovar. Ele saiu de várias falências, de várias derrotas comerciais, soube, de fato, recomeçar a vida pessoal em vários momentos. O que ele nunca abandonou, o que tornou possível toda aquela experiência de industrialização, no Sertão, foi exatamente o comércio de couro que ele não abandonou. Ao contrário, pois o Sertão é que fornecia, aos comerciantes do litoral, do Recife, e de Maceió, a matéria-prima de peles e couros, já que os caprinos têm sua maior concentração naqueles espaços. Indo para Pedra, foi-lhe possível montar, em pleno miolo da região produtora de peles e couros, uma estrutura comercial, de compra, e também artesanal, de preparo e melhoria. Através de uma pequena estrada-de-ferro e, em seguida, do transporte fluvial pelo São Francisco, o produto chegava, então, até Maceió, onde seguia para o exterior. Desta forma, ele não apenas reformulou a sua estrutura de compra a exportação de peles, como o fez numa escala e num nível muito maior do que fazia no litoral.
FF - Em sua opinião, seria possível qualificar-se o Delmiro Gouveia como um precursor; um visionário ou um emancipador?
GS - Precursor..., sem dúvida; visionário, eu creio que também...
FF - E o que lhe terá faltado para poder ser apontado como um exemplo de amancipador?
GS - O fato de que sua carreira foi interrompida no momento em que ele se organizava, no momento em que seu visionarismo conseguia se solidificar em coisas concretas, como a usina, a cidade que fez, a fábrica, a transformação de camponeses em operários qualificados. Quando tudo isso atingia seu pleno desenvolvimento, seu significado maior, ocorre o seu assassinato. O projeto pára o qual ele partiu, inicialmente, se revelou muito maior quando se apresentou a possibilidade de associação com capitais americanos para um plano integrado de investimentos na industrialização, no pastoreio e na agricultura. Seria qualquer coisa de muito audaciosa, que importava até mesmo na utilização da energia elétrica de Paulo Afonso até o recife. E foi na intenção desse grande projeto que ele partiu pára a obtenção das permissões estaduais e federais que se faziam necessárias. No governo de Pernambuco não estava mais seus inimigos, da linha de Rosa e Silva, mas ainda assim sua proposta pareceu suspeita. Talvez ele pagasse, aí, pela atividade de comerciante arrojado, de atitudes modernas que incluiriam até um certo aventureirismo. Frente a uma cera ética tradicional da época, a figura pioneira de Delmiro, no Recife, sempre despertara muitas reservas e daí, talvez, a desconfiança do novo governador, General Dantas Ribeiro, que julgou pressentir qualquer coisa de “velhacaria”, na proposta que lhe encaminhava o antigo comerciante de peles do Recife. A mim me parece, em última analise, que Delmiro é o exemplo de como as classes empresariais, ou seja, a burguesia, em nosso País, poderiam ter formulado um projeto nacional independente, já que ele acabou partindo sozinho para a sua luta.
FF - ...Bem, se não pode, então, ser o exemplo de emancipador de que falei acima, o seu filme, no entanto, é um filme sobre a nossa emancipação, política, social, econômica, não é isso?
GS - Ah, sem dúvida. Isto aí não há duvida. Foi algo que assumi com a maior consciência. Com o já disse antes, acho que ele é uma proposta de superação do desenvolvimento, com nosso próprios recursos e a mobilização da população do local, o que é certamente um dado muito importante.
FF - O filme certamente se detém muito sobre a transformação de Pedra em Delmiro Gouveia. O governo que ele estabeleceu sobre aquela cidadezinha teria sido, de fato, como se disse, uma demonstração de despotismo pessoal?
GS - Parece que sim. Da mesma maneira que era o comportamento corrente naquele universo de coronéis. Era, entretanto, um despotismo muito diferente do autoritarismo dos coronéis vizinhos, pois que visava a uma nova forma social de vida no Sertão. Tratava-se de uma visão integrada da realidade. Ao mesmo tempo que ele criava uma fábrica, uma usina, também fazia surgir uma vila operária onde impunha hábitos de comportamento social, de higiene, de igualitarismo. E reconhecido o fato de que ele não permitia a exploração do operário, no plano, por exemplo, da compra de bens de primeira necessidade. Ela mantinha um armazém abarrotado de farinha, de charque. Então, quando os comerciantes apareciam na feira semanal de Pedra, tentando impor um preço acima do que ele achava justo, o razoável, ele abria o seu mercado para criar a concorrência e baixar os preços. Ele não permitia, por exemplo que a feira, na idadezinha, vendesse coisa alguma antes que se hasteasse uma bandeira na fábrica, sinal de que o último operário já tinha recebido o seu salário. Significava, então, que o operário podia concorrer na compra dos produtos igual que outros habitantes. Tinha, pois, um tipo de preocupação que era, no mínimo, estranho para a sua época, o seu meio e aquela região. Como ele viajou pelo exterior, com o objetivo mesmo de adquirir equipamentos e atualizar-se, ele estava ao par do moderno em matéria de industrialização. Em pleno isolamento do Sertão, ao conseguir formar operários-técnicos, Delmiro evidentemente tinha que oferecer-lhes condições de fixarem-se lá e os benefícios sociais que lá implantou terão tido certamente este objetivo.
Das biografias e depoimentos a seu respeito, não se recolhe uma formulação teórica der Delmiro como de um novo capitalismo. Ele era visto como um empreendedor, um empresário moderno, um coronel-empresário moderno, progressista seria o termo mais correto para isto, mas no seu sentido prático, não no ideológico, no teórico. Ele era o homem que sabia ver as coisas e realizá-las; era o homem de ação mais que de pensamento.
FF - Como você planejou a narrativa cinematográfica dessa história verídica, de modo a propor uma reflexão capaz der trazer um esclarecimento para o expectador?
GS - Nós articulamos, o Orlando Sena e eu, que trabalhamos juntos, no argumento e no roteiro, um filme em quatro episódios. Na verdade, três episódios, e um epílogo. Quem comanda e narra o primeiro é a moça que foi com ele para o Sertão, interpretada pela Sura Bernichewski; a segunda é comandada pelo Jofre Soares, como o Coronel Ulisses Luna, quem libertou o Delmiro de uma prisão no Sertão, na qual foi parar por uma vingança do Governador, seu inimigo; o terceiro episódio é comandado por um seu sócio, uma síntese dos sócios, assessores e advogados com quem Delmiro lidou. Interpretado pro Nildo Parente, Lionello Iona, esse sócio, é, ao mesmo tempo, um contraponto, um alter-ego do Delmiro e será ele quem vai realizar a oposição final a Delmiro, quando lhe é feita a proposta de associação e compra pelos ingleses. É o Iona quem simboliza essa posição de associação e quem vê a destruição próxima. E tem o epílogo, que vem após a morte de Delmiro, que é a história da fabrica pós a morte dele. Esta parte é conduzida por um operário, ex-camponês e que é feito pelo Zé Dumont e se chama, no filme, Zé Pó. Como no caso do Iona, não houve a intenção de repetir o verdadeiro Zé Pó, que também existiu.
FF - Geraldo, quem matou Delmiro Gouveia?
GS - Olha, é difícil você afirmar. Há várias versões: a dos biógrafos, as correntes na região... Poderia lhe narrar a que me foi contada no clube operário, na Vila de Pedra, por um velho operário, hoje morto, e que conheceu Delmiro quando criança – chamava-se ele Pedro Campina e contou-me a sua história chorando, ali no meio de quase cinqüenta operários. São muitas as versões. Talvez a mais aceita seja a de que teria sido um coronel inimigo de Delmiro, com quem ele tinha tido questões de terras, um coronel chamado Zé Rodrigues, que o teria mandado matar com o acobertamento de algumas figuras, uma, sobretudo, chamado Capitão Firmino, que morava na Vila de Pedra. Inclusive foram presos três homens, que foram maltratados e que confessaram. Hoje apenas um deles vive e nega esse assassinato. É difícil dizer quem mandou matar. O filme, aliás, não se detém nesse lado policial. Na verdade, o filme responde é à pergunta de a quem aproveitou a morte de Delmiro Gouveia. Para mim não há duvida: atiraram no Delmiro para matar a fábrica.
Rubens de Falco: sou um ator empostado. Gosto de personagens que viveram no passado.
Fernando Ferreira (*)
“Jornal do Sertão”, “Casa de farinha”, “Viva Cariri”, “Segunda feira”, “Casa grande e senzala” são alguns dos títulos da importante carreira do cineasta Geraldo Sarno, como documentarista do Nordeste brasileiro. É forte a corrente que o considera inexcedível nesse campo, onde faz arte e ciência com uma absoluta honestidade e uma tranqüilidade clarividência. Seus são alguns dos mais belos e mais límpidos documentários que se fazem atualmente no mundo. Essas qualidades não se antegorizaram com seu primeiro longa-metragem de ficção – “O sítio do pica pau amarelo” – onde fez um Lobato parecido com os filmes de Geraldo Sarno e por isto muita gente torceu o nariz.
Depois de realizar um admirável trabalho de documentação de terreiros de candomblé, na Bahia (o filme “Iaô”, premiado no último festival de Brasília), Geraldo ocupou todo o tempo dos últimos meses num longa-metragem sobre a vida de Delmiro Gouveia, o homem que primeiro fustigou os cavalos adormecidos, em sono de séculos, da cachoeira de Paulo Afonso, na expressão de Graciliano Ramos. De origem modesta, Delmiro Gouveia, que nasceu em 1863, foi um inovador audacioso no comércio do Recife e, posteriormente, quando obrigado por perseguição política a refugiar-se no interior de Alagoas, um empresário e industrial que enxergava muito adiante do seu tempo. Extraiu energia das águas do São Francisco: montou uma fábrica de linhas e de tecidos; construiu moderníssima vila operária, buscando mão de obra entre os camponeses do Sertão; organizou, com energia inflexível, um modelo de sociedade de trabalho; abriu estradas; dotou de luz a cidade de Pedra (hoje Delmiro Gouveia, em Alagoas), que encontrara paupérrima, em 1903, antes que Recife se despedisse dos lampiões de gás; enfrentou com altivez e intransigência os concorrentes estrangeiros do seu negócio. E sonhou com muito mais, até que o mataram, em 1917, sem que até hoje o crime tenha sido convincentemente esclarecido.
O cineasta que mais documentou o Sertão do Nordeste brasileiro, muito naturalmente desejou contar a história de Delmiro Gouveia. E o encontro de quem tanto recolheu a imagem do desenvolvimento com alguém que terá pretendido, quem sabe, supera-lo com indômita disposição. Geraldo Sarno ultima nestes dias, seu longa-metragem de ficção “Delmiro Gouveia”. Um dos filmes brasileiros do qual mais se deve esperar pelo que contém de talento, de verdade e emoção muito nossa. Geraldo e Rubens de Falco, diretor e ator, falam do filme que fizeram juntos.
Geraldo Sarno: atiraram no homem para matar a fábrica. Não se sabe quem foi.
FF - Geraldo, como se explica que haja uma tão grande desinformação sobre a figura histórica de Delmiro Gouveia?
GS - Existe um autor, um dos vários biógrafos de Delmiro, que chega a contar que, em torno da figura do Delmiro, exista uma “conspiração do silêncio”. Ele usa exatamente esta expressão. Dizer que existe alguma coisa de orquestrado neste sentido, é difícil de afirmar. Mas não deixa de ser estranho que uma figura da importância que ele tem, seja tão desconhecida no País. Eu mesmo tive o meu primeiro contato com a figura do Delmiro quando me encontrava no Nordeste, fazendo documentários, com o Affonso Beato e o Thomas Farkas, e que cheguei a primeira vez em Paulo Afonso, a cachoeira, e lá vi a usininha pendurado no penhasco do outro lado de Alagoas. E informando-me do que se tratava, soube que tinha sido a primeira usina feita em Paulo Afonso, no início do século, por um cara que tinha sido assassinado, que tinha uma fábrica de linhas de costurar. E foi assim, por acaso, que descobri a existência desse personagem.
FF - O seu filme procurou situar o personagem central desde os seus primórdios ou quando se iniciou comerciante de peles, ou foi direto para a cidade de Pedra, nas Alagoas, onde a obra dele teve a expressão nacional que se conhece?
GS - Não procurei fazer um filme biográfico-histórico no sentido tradicional. O filme é uma visão de cineasta da vida de Delmir Gouveia e aborda a história do personagem a partir de um determinado momento de sua vida no Recife, e daí na sua ida para o Sertão. De toda a formação do grande comerciante que ele já era, no Recife, a gente tem apenas uma referência através de umas duas cenas, que são as inaugurações do Derby, o famoso mercado por ele mandado construir e que logo foi incendiado no final do século, no Recife. Este incêndio inicia, aliás o filme, que já pega Delmiro, digamos assim, no “tope”, já na sua fase de oposição à oligarquia do açúcar, sob o comando de Rosa e Silva, então Vice-Presidente da República. É que essa oligarquia contraditava os seus interesses de empresário modernizador, de introdutor de um mercado novo, de uma relação de venda ao consumidor muito mais barata do que permitiam os métodos daquelas estruturas tradicionais. Assim, ele se chocou com o Governador, Prefeito e Vice-Presidente, e mais ainda quando da aventura amorosa que teve com a enteada do Governador, pela qual largou a família e tudo que tinha de estrutura comercial, raptou essa moça e foi se esconder perto da cidade de Pedra, junto a um coronel local, Ulysses Luna. E é aí que ele começa uma nova vida, e desenvolve uma atividade que no torna muito significativo como figura da nossa História.
FF - Essa nova vida pela qual ele opta, e que se tornou o ponto central do seu filme, é um corte ou uma reformulação em relação ao passado até que então vivera?
GS - De uma certa maneira, é um corte. Delmiro foi um desses personagens com uma capacidade marcante de apagar o passado e se renovar. Ele saiu de várias falências, de várias derrotas comerciais, soube, de fato, recomeçar a vida pessoal em vários momentos. O que ele nunca abandonou, o que tornou possível toda aquela experiência de industrialização, no Sertão, foi exatamente o comércio de couro que ele não abandonou. Ao contrário, pois o Sertão é que fornecia, aos comerciantes do litoral, do Recife, e de Maceió, a matéria-prima de peles e couros, já que os caprinos têm sua maior concentração naqueles espaços. Indo para Pedra, foi-lhe possível montar, em pleno miolo da região produtora de peles e couros, uma estrutura comercial, de compra, e também artesanal, de preparo e melhoria. Através de uma pequena estrada-de-ferro e, em seguida, do transporte fluvial pelo São Francisco, o produto chegava, então, até Maceió, onde seguia para o exterior. Desta forma, ele não apenas reformulou a sua estrutura de compra a exportação de peles, como o fez numa escala e num nível muito maior do que fazia no litoral.
FF - Em sua opinião, seria possível qualificar-se o Delmiro Gouveia como um precursor; um visionário ou um emancipador?
GS - Precursor..., sem dúvida; visionário, eu creio que também...
FF - E o que lhe terá faltado para poder ser apontado como um exemplo de amancipador?
GS - O fato de que sua carreira foi interrompida no momento em que ele se organizava, no momento em que seu visionarismo conseguia se solidificar em coisas concretas, como a usina, a cidade que fez, a fábrica, a transformação de camponeses em operários qualificados. Quando tudo isso atingia seu pleno desenvolvimento, seu significado maior, ocorre o seu assassinato. O projeto pára o qual ele partiu, inicialmente, se revelou muito maior quando se apresentou a possibilidade de associação com capitais americanos para um plano integrado de investimentos na industrialização, no pastoreio e na agricultura. Seria qualquer coisa de muito audaciosa, que importava até mesmo na utilização da energia elétrica de Paulo Afonso até o recife. E foi na intenção desse grande projeto que ele partiu pára a obtenção das permissões estaduais e federais que se faziam necessárias. No governo de Pernambuco não estava mais seus inimigos, da linha de Rosa e Silva, mas ainda assim sua proposta pareceu suspeita. Talvez ele pagasse, aí, pela atividade de comerciante arrojado, de atitudes modernas que incluiriam até um certo aventureirismo. Frente a uma cera ética tradicional da época, a figura pioneira de Delmiro, no Recife, sempre despertara muitas reservas e daí, talvez, a desconfiança do novo governador, General Dantas Ribeiro, que julgou pressentir qualquer coisa de “velhacaria”, na proposta que lhe encaminhava o antigo comerciante de peles do Recife. A mim me parece, em última analise, que Delmiro é o exemplo de como as classes empresariais, ou seja, a burguesia, em nosso País, poderiam ter formulado um projeto nacional independente, já que ele acabou partindo sozinho para a sua luta.
FF - ...Bem, se não pode, então, ser o exemplo de emancipador de que falei acima, o seu filme, no entanto, é um filme sobre a nossa emancipação, política, social, econômica, não é isso?
GS - Ah, sem dúvida. Isto aí não há duvida. Foi algo que assumi com a maior consciência. Com o já disse antes, acho que ele é uma proposta de superação do desenvolvimento, com nosso próprios recursos e a mobilização da população do local, o que é certamente um dado muito importante.
FF - O filme certamente se detém muito sobre a transformação de Pedra em Delmiro Gouveia. O governo que ele estabeleceu sobre aquela cidadezinha teria sido, de fato, como se disse, uma demonstração de despotismo pessoal?
GS - Parece que sim. Da mesma maneira que era o comportamento corrente naquele universo de coronéis. Era, entretanto, um despotismo muito diferente do autoritarismo dos coronéis vizinhos, pois que visava a uma nova forma social de vida no Sertão. Tratava-se de uma visão integrada da realidade. Ao mesmo tempo que ele criava uma fábrica, uma usina, também fazia surgir uma vila operária onde impunha hábitos de comportamento social, de higiene, de igualitarismo. E reconhecido o fato de que ele não permitia a exploração do operário, no plano, por exemplo, da compra de bens de primeira necessidade. Ela mantinha um armazém abarrotado de farinha, de charque. Então, quando os comerciantes apareciam na feira semanal de Pedra, tentando impor um preço acima do que ele achava justo, o razoável, ele abria o seu mercado para criar a concorrência e baixar os preços. Ele não permitia, por exemplo que a feira, na idadezinha, vendesse coisa alguma antes que se hasteasse uma bandeira na fábrica, sinal de que o último operário já tinha recebido o seu salário. Significava, então, que o operário podia concorrer na compra dos produtos igual que outros habitantes. Tinha, pois, um tipo de preocupação que era, no mínimo, estranho para a sua época, o seu meio e aquela região. Como ele viajou pelo exterior, com o objetivo mesmo de adquirir equipamentos e atualizar-se, ele estava ao par do moderno em matéria de industrialização. Em pleno isolamento do Sertão, ao conseguir formar operários-técnicos, Delmiro evidentemente tinha que oferecer-lhes condições de fixarem-se lá e os benefícios sociais que lá implantou terão tido certamente este objetivo.
Das biografias e depoimentos a seu respeito, não se recolhe uma formulação teórica der Delmiro como de um novo capitalismo. Ele era visto como um empreendedor, um empresário moderno, um coronel-empresário moderno, progressista seria o termo mais correto para isto, mas no seu sentido prático, não no ideológico, no teórico. Ele era o homem que sabia ver as coisas e realizá-las; era o homem de ação mais que de pensamento.
FF - Como você planejou a narrativa cinematográfica dessa história verídica, de modo a propor uma reflexão capaz der trazer um esclarecimento para o expectador?
GS - Nós articulamos, o Orlando Sena e eu, que trabalhamos juntos, no argumento e no roteiro, um filme em quatro episódios. Na verdade, três episódios, e um epílogo. Quem comanda e narra o primeiro é a moça que foi com ele para o Sertão, interpretada pela Sura Bernichewski; a segunda é comandada pelo Jofre Soares, como o Coronel Ulisses Luna, quem libertou o Delmiro de uma prisão no Sertão, na qual foi parar por uma vingança do Governador, seu inimigo; o terceiro episódio é comandado por um seu sócio, uma síntese dos sócios, assessores e advogados com quem Delmiro lidou. Interpretado pro Nildo Parente, Lionello Iona, esse sócio, é, ao mesmo tempo, um contraponto, um alter-ego do Delmiro e será ele quem vai realizar a oposição final a Delmiro, quando lhe é feita a proposta de associação e compra pelos ingleses. É o Iona quem simboliza essa posição de associação e quem vê a destruição próxima. E tem o epílogo, que vem após a morte de Delmiro, que é a história da fabrica pós a morte dele. Esta parte é conduzida por um operário, ex-camponês e que é feito pelo Zé Dumont e se chama, no filme, Zé Pó. Como no caso do Iona, não houve a intenção de repetir o verdadeiro Zé Pó, que também existiu.
FF - Geraldo, quem matou Delmiro Gouveia?
GS - Olha, é difícil você afirmar. Há várias versões: a dos biógrafos, as correntes na região... Poderia lhe narrar a que me foi contada no clube operário, na Vila de Pedra, por um velho operário, hoje morto, e que conheceu Delmiro quando criança – chamava-se ele Pedro Campina e contou-me a sua história chorando, ali no meio de quase cinqüenta operários. São muitas as versões. Talvez a mais aceita seja a de que teria sido um coronel inimigo de Delmiro, com quem ele tinha tido questões de terras, um coronel chamado Zé Rodrigues, que o teria mandado matar com o acobertamento de algumas figuras, uma, sobretudo, chamado Capitão Firmino, que morava na Vila de Pedra. Inclusive foram presos três homens, que foram maltratados e que confessaram. Hoje apenas um deles vive e nega esse assassinato. É difícil dizer quem mandou matar. O filme, aliás, não se detém nesse lado policial. Na verdade, o filme responde é à pergunta de a quem aproveitou a morte de Delmiro Gouveia. Para mim não há duvida: atiraram no Delmiro para matar a fábrica.
Rubens de Falco: sou um ator empostado. Gosto de personagens que viveram no passado.
FF - Rubens, gostaria que você situasse a sua compreensão do personagem do Delmiro Gouveia.
RF - Bem, tentando reconstituir um pouco como as coisas se passara: evidentemente, foi-me apresentado um roteiro, por sinal muito bem elaborado, no qual a figura de Delmiro Gouveia aparecia não como um herói, mas como o resultado de várias visões sobre a sua personalidade: a da menina com quem ele fugiu; a do coronel que o introduziu no Sertão; a do sócio que o acompanhou durante a vida inteira; a do operário que foi a resultante de tudo o que ele fez. Embora, no tema, o filme nada tenha ver com o filme japonês “Rashomon”, a proposta narrativa tem com ele alguma semelhança; bem, a partir desse roteiro, eu comecei a estudar mais detidamente o personagem, do qual, no entanto, existem relativamente poucas informações, em biografias um pouco romanceadas, algumas das quais me foram dadas, para leitura, pelo Geraldo Sarno. Li, mastiguei aquilo tudo e daí começamos um trabalho que, a partir de um fato histórico recente, chegasse a uma ficção que se situasse o mais perto possível de quem foi Delmiro Gouveia. Dentro desse quadro de várias versões, a personagem mesma de Delmiro Gouveia surge como uma espécie de catalisador do quadro histórico apreciado e analisado.
FF - Resultou, sem dúvida, um trabalho muito fascinante...
RF - Claro. Mas o mais importante para mim, como ator, foi tomar conhecimento deste homem do qual conhecia apenas o que me informara um pequeno documentário sobre ele. E, de repente, alguém me diz: “Você vai ser o Delmiro Gouveia”. Foi uma sorte, especialmente para mim, termos ido fazer locação lá mesmo onde Delmiro Gouveia levantou a sua obra, o que nos envolveu, equipe e elenco, de uma maneira total. Usei, então, um sistema de que a gente se vale muito no teatro, onde sempre se tem ensaio de mesa. Lia e relia o roteiro, voltava a passagens que me haviam escapado e fui me integrando dentro do espírito deste homem, que tinha o seu lado déspota, de coronel do interior, talvez como um meio para realizar os fins pretendidos. Não sei se ele tinha consciência exata do que iria fazer; uma coisa, porém, é certa – ele tinha consciência do que estava fazendo no momento, que era a preocupação de dar um valor social àquela gente do sertão, como parte da obra que ambicionava. Para isto, precisou muitas vezes ser um homem duro.
FF - Então, na sua visão, admirar Delmiro é possível ou se deve mesmo fazê-lo?
RF - Eu acho que só se deve admirar. Acho que o mundo, a vida, as pessoas, pos objetos, obedecem sempre a ciclos. Quem sabe se, nos 70 anos que se passaram – aliás 60 – quem sabe, então, não estamos atravessando, neste momento, algo parecido à época de Delmiro, já que tanto nos preocupamos, cada vez mais, com o que se pode fazer com esta terra nossa. E é justamente aí que reside a oportunidade do filme, o seu momento exato, de fazer ressurgir este homem que representa uma vontade nacionalista.
FF - Pode-se concluir, então, que este personagem tem um significado especial em sua carreira de ator?
RF - Olha, eu comecei a fazer teatro muito cedo, minha carreira já vai completar 26 anos. Fui formado na rigidez do TBC e na dos Jograis, de São Paulo. Nestes 26 anos, devo ter feito algumas coisas boas: a primeira foi ter optado por fazer algo que gosto de fazer; a segunda foi ter feito parte dos Jograis, de São Paulo; das peças de teatro que fiz, muita coisa foi boa, muita coisa não – eu gostei muito de um trabalho com o Glauce Rocha, que foi a peça “O exercício” – e, em cinema, fiz muita porcaria. Considero, entretanto, que um filme que fiz foi bom, o “Tempo de violência”, do Hugo Huznet, talvez um filme que tenha chegado cedo demais – seria um filme para os dias de hoje. Represando esses 26 anos, acho que eles valeram a pena se me foi dada a oportunidade de fazer algo que não diria definitivo, pois nada é definitivo, mas algo que, como ator, pelos menos no cinema, em coloca numa posição mais séria, mais preocupante, mais participante. Depois de “Delmiro Gouveia”. De fato, tenho que pensar muito sobre o que vou fazer em cinema e sobre o que eu, realmente, quero fazer.
FF - Os personagens da época são constantes na sua carreira, não é verdade?
RF - Bem, eu costumo dizer que sou um ator empostado. Por isso, sei que me dou bem com os personagens que viveram no passado, conheço os meus recursos e tive uma formação teatral muito sobre peças ditas “de época”. O passado, em “Delmiro Gouveia”, foi recriado com muito talento, com a diferença de arte entregue ao Anísio Medeiros, que é um dos melhores da sua especialidade. Mas, sei lá, acho que a gente conseguiu essa colocação sem muito se preocupar em assumir um comportamento de “filme de época”. Também o processo de envelhecimento do Delmiro não apelou para a maquilagem pesada, apenas a gente foi procurando dar uma expressão mais corporal, na postura física, na maneira de andar ou de articular, que, no caso, expressariam m ais o interior do personagem. O resultado tão satisfatório desse processo somente foi possível porque todos, no elenco, setiamo-nos num trabalho conjunto, muito na base do papo, muito na base da crítica sadia. Acho que isto só se tornou possível – e tinha que ser assim, era ler o roteiro e ver – pelo comando tranqüilo e muito aberto do Geraldo Sarno, sempre pronto a ouvir e discutir, sempre muito educado, mas muito seguro das suas intenções. Considero um privilégio, nesta altura da minha carreira, ter trabalhado com este moço cineasta. Acho que o “Delmiro Gouveia” vai fazer época, sem trocadilho; e penso que influenciará até mesmo outros cineastas pelo que contém de novo, de oportuno, apreciando livremente, abertamente a realidade da história do homem brasileiro. Foi um bonito tempo de trabalho.
RF - Bem, tentando reconstituir um pouco como as coisas se passara: evidentemente, foi-me apresentado um roteiro, por sinal muito bem elaborado, no qual a figura de Delmiro Gouveia aparecia não como um herói, mas como o resultado de várias visões sobre a sua personalidade: a da menina com quem ele fugiu; a do coronel que o introduziu no Sertão; a do sócio que o acompanhou durante a vida inteira; a do operário que foi a resultante de tudo o que ele fez. Embora, no tema, o filme nada tenha ver com o filme japonês “Rashomon”, a proposta narrativa tem com ele alguma semelhança; bem, a partir desse roteiro, eu comecei a estudar mais detidamente o personagem, do qual, no entanto, existem relativamente poucas informações, em biografias um pouco romanceadas, algumas das quais me foram dadas, para leitura, pelo Geraldo Sarno. Li, mastiguei aquilo tudo e daí começamos um trabalho que, a partir de um fato histórico recente, chegasse a uma ficção que se situasse o mais perto possível de quem foi Delmiro Gouveia. Dentro desse quadro de várias versões, a personagem mesma de Delmiro Gouveia surge como uma espécie de catalisador do quadro histórico apreciado e analisado.
FF - Resultou, sem dúvida, um trabalho muito fascinante...
RF - Claro. Mas o mais importante para mim, como ator, foi tomar conhecimento deste homem do qual conhecia apenas o que me informara um pequeno documentário sobre ele. E, de repente, alguém me diz: “Você vai ser o Delmiro Gouveia”. Foi uma sorte, especialmente para mim, termos ido fazer locação lá mesmo onde Delmiro Gouveia levantou a sua obra, o que nos envolveu, equipe e elenco, de uma maneira total. Usei, então, um sistema de que a gente se vale muito no teatro, onde sempre se tem ensaio de mesa. Lia e relia o roteiro, voltava a passagens que me haviam escapado e fui me integrando dentro do espírito deste homem, que tinha o seu lado déspota, de coronel do interior, talvez como um meio para realizar os fins pretendidos. Não sei se ele tinha consciência exata do que iria fazer; uma coisa, porém, é certa – ele tinha consciência do que estava fazendo no momento, que era a preocupação de dar um valor social àquela gente do sertão, como parte da obra que ambicionava. Para isto, precisou muitas vezes ser um homem duro.
FF - Então, na sua visão, admirar Delmiro é possível ou se deve mesmo fazê-lo?
RF - Eu acho que só se deve admirar. Acho que o mundo, a vida, as pessoas, pos objetos, obedecem sempre a ciclos. Quem sabe se, nos 70 anos que se passaram – aliás 60 – quem sabe, então, não estamos atravessando, neste momento, algo parecido à época de Delmiro, já que tanto nos preocupamos, cada vez mais, com o que se pode fazer com esta terra nossa. E é justamente aí que reside a oportunidade do filme, o seu momento exato, de fazer ressurgir este homem que representa uma vontade nacionalista.
FF - Pode-se concluir, então, que este personagem tem um significado especial em sua carreira de ator?
RF - Olha, eu comecei a fazer teatro muito cedo, minha carreira já vai completar 26 anos. Fui formado na rigidez do TBC e na dos Jograis, de São Paulo. Nestes 26 anos, devo ter feito algumas coisas boas: a primeira foi ter optado por fazer algo que gosto de fazer; a segunda foi ter feito parte dos Jograis, de São Paulo; das peças de teatro que fiz, muita coisa foi boa, muita coisa não – eu gostei muito de um trabalho com o Glauce Rocha, que foi a peça “O exercício” – e, em cinema, fiz muita porcaria. Considero, entretanto, que um filme que fiz foi bom, o “Tempo de violência”, do Hugo Huznet, talvez um filme que tenha chegado cedo demais – seria um filme para os dias de hoje. Represando esses 26 anos, acho que eles valeram a pena se me foi dada a oportunidade de fazer algo que não diria definitivo, pois nada é definitivo, mas algo que, como ator, pelos menos no cinema, em coloca numa posição mais séria, mais preocupante, mais participante. Depois de “Delmiro Gouveia”. De fato, tenho que pensar muito sobre o que vou fazer em cinema e sobre o que eu, realmente, quero fazer.
FF - Os personagens da época são constantes na sua carreira, não é verdade?
RF - Bem, eu costumo dizer que sou um ator empostado. Por isso, sei que me dou bem com os personagens que viveram no passado, conheço os meus recursos e tive uma formação teatral muito sobre peças ditas “de época”. O passado, em “Delmiro Gouveia”, foi recriado com muito talento, com a diferença de arte entregue ao Anísio Medeiros, que é um dos melhores da sua especialidade. Mas, sei lá, acho que a gente conseguiu essa colocação sem muito se preocupar em assumir um comportamento de “filme de época”. Também o processo de envelhecimento do Delmiro não apelou para a maquilagem pesada, apenas a gente foi procurando dar uma expressão mais corporal, na postura física, na maneira de andar ou de articular, que, no caso, expressariam m ais o interior do personagem. O resultado tão satisfatório desse processo somente foi possível porque todos, no elenco, setiamo-nos num trabalho conjunto, muito na base do papo, muito na base da crítica sadia. Acho que isto só se tornou possível – e tinha que ser assim, era ler o roteiro e ver – pelo comando tranqüilo e muito aberto do Geraldo Sarno, sempre pronto a ouvir e discutir, sempre muito educado, mas muito seguro das suas intenções. Considero um privilégio, nesta altura da minha carreira, ter trabalhado com este moço cineasta. Acho que o “Delmiro Gouveia” vai fazer época, sem trocadilho; e penso que influenciará até mesmo outros cineastas pelo que contém de novo, de oportuno, apreciando livremente, abertamente a realidade da história do homem brasileiro. Foi um bonito tempo de trabalho.
(*) Jornalista
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