Tadeu Rocha (*)
Acaba de ser requerida ao Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas a revisão do Processo Delmiro. Os descendentes de Róseo Morais do Nascimento (uma das vítimas inocentes da Polícia e da Justiça, incluído entre os autores materiais da morte violenta de Delmiro Gouveia) iniciaram a líder por intermédio do criminalista Antônio Aleixo de Albuquerque e do historiador Moacir Sant’Ana, ambos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil e, também, professores da Universidade Federal de Alagoas. Eles vão, provar, juridicamente, a verdade a que chegamos, sob o ponto de vista da Moral e da História, nos meados de 1972.
Pesquisas por nós iniciadas em Maceió, no mês de abril de 1968 e concluídas em Penedo e Aracaju, em maio e junho de 1972, permitiram que denunciássemos a existência de “erro jurídico no Processo Delmiro”, em página inteira do DIÁRIO DE PERNAMBUCO, edição de 20 de junho do mesmo ano.
Menos de cinco anos e meio a pós a nossa fundamentada denúncia, o historiador Moacir de Medeiros Sant’Ana descobriu no Arquivo Público de Alagoas importantes documentos sobre o hediondo crime do núcleo industrial da Pedra. O códice então descoberto data dos fins de 1918 e consta de um “conjunto de autos de perguntas formuladas pelo próprio secretário do Interior da época, dr. Manoel Moreira e Silva”, segundo declarações do historiador Moacir Sant’Ana ao Jornal de Alagoas, de 10 de dezembro de 1977.
No referido códice, figuram depoimentos de Firmino Rodrigues Pereira, Róseo Morais do Nascimento, José Inácio Pia, Joventina do Carmo, Ulysses Luna e Ângelo Gomes Lima, depoimentos que, inexplicavelmente, não foram apensos ao Processo Delmiro, então em andamento na Comarca de Água Branca, no sertão de Alagoas.
O CRIME DA PEDRA
No ano de 1917, Delmiro Gouveia não estava morando na casa-grande da fábrica da Pedra. Ele residia, então, num elegante chalé, existente no largo fronteiriço à fábrica, porém fora da cerca de arame do grande núcleo industrial sertanejo. Terminada a faina do dia 10 de outubro, numa quente quarta-feira de verão, o Pioneiro de Paulo Afonso recolheu-se ao chalé, onde jantou em companhia do seu compadre Firmino Rodrigues, com que m foi palestrar no alpendre lateral esquerdo da residência. Depois que seu compadre se retirou, Delmiro passou a ler jornais, sentado em uma cadeira de balanço, à luz de forte lâmpada elétrica.
Eram oito e meia da noite, quando três tiros de rifle ecoaram por toda a vila industrial da Pedra. Os tiros foram deflagrados de um corte ferroviário próximo ao chalé. José Alexandre Cordeiro (o jovem Zé Pó), que antes servira o jantar ao cel. Delmiro e seu convidado, foi encontrar o patrão gravemente ferido, agarrando-se nas cadeiras do alpendre. Muita gente acorreu à residência do chefe, que foi conduzido ao seu leito.
Gravemente ferido, Delmiro ainda recebeu socorros do médico da fábrica da Pedra, dr. José Maciel Pereira. Dos três tiros deflagrados contra o Pioneiro, uma bala varou-lhe o coração. Poucos minutos teve de vida aquele homem de belo porte e grande resistência física. Nos últimos alentos da existência terrena, Delmiro Gouveia fez a mais cristã das súplicas e mais nordestina das preces: “Valha-me Nossa Senhora!”. Esta prece foi ouvida pelo referido José Alexandre Cordeiro, segundo informações que nos prestou em fevereiro de 1953.
O grande comércio de peles de caprinos e ovinos, uma pecuária modernizada e a montagem da fábrica de linhas, com a extraordinária façanha do aproveitamento da cachoeira de Paulo Afonso, transformaram Delmiro Gouveia na maior autoridade dos sertões nordestinos. A inveja e o despeito não tardaram em criar duas sérias inimizades ao moderno sertanista: os “coronéis” José Rodrigues de Lima, de Piranhas, e seu parente José Gomes de Lima e Sá, residente em jatobá, hoje Petrolândia. O ódio dos dois parentes armou sicários, que nas caladas da noite abateram, traiçoeiramente, a mais importante figura da moderna História Econômica do Nordeste.
ÚLTIMOS AUSENTES
A confusão que se seguiu à morte violenta do Pioneiro de Paulo Afonso, na vila industrial da Pedra, foi indescritível. Fervilhavam os boatos e multiplicavam-se as insinuações sobre a autoria do crime, até que as hipóteses recaíram nos derradeiros ausentes do núcleo industrial. Entre estes, estavam os operários José Inácio Pia, que fora despedido da fábrica de linha pelo gerente Adolfo Santos, e seu compadre Róseo Morais do Nascimento, que pedira suas contas. E logo no dia 14 de outubro (uma semana após a morte de Delmiro) surgiram as primeiras acusações a estes derradeiros ausentes, ao que consta dos autos do Processo Delmiro.
Não foi difícil à Polícia Militar de Alagoas capturar os dois supostos assassinos de Delmiro Gouveia: o operário José Inácio Pia, apelidado de Jacaré, foi preso no dia 7 de novembro, em Própria, onde estava de volta à Pedra de Delmiro, para ir buscar sua mulher; quanto ao operário Róseo Morais do Nascimento, foi preso a 10 d novembro, na usina Pedras, onde estava empregado, no Município sergipano de Maruim. Noutro inquérito, feito um ano mais tarde, apareceu Antônio Felix do Nascimento como terceiro mandatário do crime de 10 de outubro de 1917.
A custa de violências de toda espécie, que iam do pistolamento às constantes ameaças de fuzilamento, o famigerado Capitão Nolasco, da Polícia alagoana, obteve de Jacaré e Róseo a “confissão” da autoria do crime... O mesmo processo foi utilizado em relação ao pernambucano Antônio Felix do nascimento, que não tinha qualquer parentesco com o cearense Róseo Morais do Nascimento. Denunciados pelo Ministério Público e pronunciados pela Justiça da Comarca de Água Branca, esses três humildes sertanejos foram submetidos a julgamento pelo tribunal do Júri daquela Comarca sendo condenados á pena máxima de 30 anos.
ÁLIBI VERAZ
Em nenhum processo criminal, a palavra álibi pode ter mais expressão do que no caso dos finados Róseo Morais do Nascimento e José Inácio Pia. O advérbio latino alibi significa – em outro lugar. Era, precisamente, em outro lugar, bem distante do núcleo industrial de Pedra, onde pernoitavam os dois antigos operários da fábrica de linhas, na noite em que Delmiro Gouveia foi covardemente assassinado. Chegamos a esta certeza absoluta, após dois anos e meio do lançamento , em 1970, da 3ª edição do nosso livro intitulado Delmiro Gouveia, mo Pioneiro de Paulo Afonso.
O álibi dos derradeiros ausentes da vila industrial da Pedra, antes do hediondo crime de 10 de outubro de 1917, não foi acreditado pela Polícia, nem pela Justiça, durante marcha do Processo Delmiro. Ao que dissemos, coube-nos a obrigação moral de fazer pesquisas sobre o assunto. E o fizemos como biógrafo de Delmiro Gouveia e filho de Manoel Rodrigues da Rocha, seu grande amigo e constante hospedeiro, em Santana do Ipanema. As nossas pesquisas concluíram pela veracidade do importante e desprezado álibi de Róseo Morais e José Inácio Pia.
Na última semana de setembro de 1917, eles pegaram o trem, na estação de Pedra, onde embarcaram para Propriá, logo nos primeiros dias de outubro. Desceram em S. Francisco na canoa Pirapora, em que também viajavam o industrial Manuel de Souza Brito e o cabo José Marinho de Melo Morais, do destacamento de Piranhas. Róseo e José Inácio pediram emprego ao cel. Neco Brito, que lhes ofereceu colocação em sua fábrica de tecidos em Própria. Na terça-feira, 9 de outubro, foram à residência do industrial, dizer-lhe que não aceitavam o emprego, por serem baixos os salários.
Na quarta-feira, dia 10, tomaram o trem de Própria a Aracaju, o qual pernoitou em Japaratubinha (hoje Muribeca) por motivo de avaria. No dia seguinte, o trem se arrastou até a estação mais próxima, que era o entroncamento ferroviário de Murta, onde se iniciava o ramal de Capela. Ali na estaco de Murta foi, então, que souberam da morte de Delmiro, transmitida pelos passageiros do trem da quinta-feira, saído de Própria. Viajando nessa data, 11 de outubro de 1917 os dois operários desceram na estação de Maruim dirigindo-se à usina Pedras, do “cel.” Gonçalo Prado, onde se empregaram como pedreiros.
Três fatos nos impressionaram profundamente, nos fins da nossa pesquisa sobre o importantíssimo álibi. No dia 4 de maio de 1972, em Penedo, a veneranda senhora Maria Etelvina Brito Andrade (filha do “cel.” Neco Brito) confessou-nos que foi ela mesmo quem escreveu o telegrama, ditado por seu pai, informando o “cel.” Ulysses Luna de que Róseo e Pia estavam em Propriá. No dia 9 de outubro de 1917. Ainda em penedo, o venerando José Correia de Figueiredo confirmou-nos ser voz corrente, em Água Branca, que os verdadeiros matadores de Delmiro Gouveia foram o agricultor Herculano Soares Vilela, seu cunhado Luis dos Anjicos e seu amigo Manuel Vaqueiro.E no dia 5 de junho do mesmo ano de 1972, em Aracaju, tivemos a grande ventura de conversas com o sr. Florival Garangáu, filho do famoso mecânico “mestre” Garangáu, que Róseo Morais do nascimento viu ser cego de um olho e ouviu discutir fortemente com o chefe da estação de Murta. O sr. Florival Garangáu nos garantiu que seu pai era, de fato, cego do olho esquerdo, era um homem valente e falava muito, “pois gostava de dizer a verdade”.
(*) Advogado, Escritor e Jornalista
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