sábado, 22 de novembro de 2008

Finalmente Desvendado o Mistério da Morte de Delmiro

Recife, 11 de junho de 1978


“Coronelismo” sertanejo eliminou Gouveia em 1917 e multinacional “matou” sua fábrica de linhas em 1929


Tadeu Rocha (*)


Delmiro Gouveia foi morto, no pioneiro núcleo industrial de Pedra (Alagoas), em 10 de outubro de 1917. A fábrica de linhas, que ele inaugurara em 1914 e seus herdeiros venderam em 1927 aos industriais recifenses Menezes Irmãos, foi condenada à morte no dia 2 de novembro de 1929, em Paisley, na Escócia.


Após 28 anos de pesquisas sobre a vida e a obra de Delmiro Gouveia, chegamos à absoluta certeza da autoria intelectual do crime que vitimou o Pioneiro de Paulo Afonso, acarretando um atraso de quarenta anos para uma grande parte do Nordeste.
As pesquisas que iniciamos em janeiro de 1950, na cidade alagoana de Santana do Ipanema, e que nos permitimos escrever inúmeras reportagens no DIÁRIO DE PERNAMBUCO, a partir de fevereiro de 1953, e publicar três edições de uma biografia do Pioneiro de Paulo Afonso, somente agora chega m ao seu termo, com seguro depoimento colhido no Estado de Goiás. Na cidade de Porto Nacional, em meados de 1948, um certo senhor Raimundo Lopes, idoso e doente, identificou-se como sendo, realmente, José Gomes de Sá e declarou, perante quatro testemunhas categorizadas, que foram ele e o “Coronel” José Rodrigues (de Piranhas) os mandantes da morte violenta de Delmiro Gouveia, no centro industrial da Pedra, na noite de 10 de outubro de 1917.

ERRO JUDICIÁRIO

Ainda no dia 16 de abril de 1967, aqui mesmo nas páginas do DIÁRIO, documentalmente revelamos que não houve “caso” de mulher no traiçoeiro assassínio do genial captador da força de Paulo Afonso. Cinco anos mais tarde, precisamente no DIÁRIO de 20 de julho de 1972, denunciamos a existência de “erro judiciário no Processo Delmiro”, provando que os operários sertanejos Róseo Morais do Nascimento e José Inácio Pia, apelidado de Jacaré, pernoitavam na estação ferroviária de Japaratubinha (hoje Muribeca), no interior de Sergipe, quando Delmiro foi assassinado, no centro industrial que ele mesmo fundara, no sertão de Alagoas.
Decorridos menos de cinco anos e meio da nossa denúncia pública (e confirmando o álibi do Sr. Róseo e do finado jacaré), o historiador Moacir Sant’na, diretor do Arquivo Público de Alagoas, descobriu em sua repartição um “conjunto de autos de perguntas”, referentes ao Processo Delmiro, mas que a ele nunca foram anexados, se bem que existentes desde os fins de 1918. O citado historiador tornou pública essa notável descoberta, numa entrevista ao Jornal de Alagoas, edição de 10 de dezembro do ano passado.

FONTE INESPERADA

Nos fins de 1977, fomos fazer novas pesquisas em Maceió, no Arquivo Público e no Instituto Histórico de Alagoas. Visitando o criminalista Antônio Aleixo Paes de Albuquerque, advogado do Sr. Róseo Morais do Nascimento, ele nos informou de que tivera ligeiro contato, na capital alagoana, com o Desembargador Lúcio Batista Arantes, presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Este Desembargador mostrou interesse em conhecer melhor a vida e obra de Delmiro Gouveia, de quem ouvira falar por uma circunstância toda especial, no interior de Goiás, nos fins da década de 40.
Escrevemos ao ilustre magistrado, pedindo-lhe alguns dados sobre a vida do “Coronel” José Gomes de Lima e Sá, que se evadira de jatobá (hoje Petrolândia) e se refugiara no norte de Goiás, logo após a morte violenta do Pioneiro de Paulo Afonso. O Desembargador Batista Arantes confiou a resposta de nossa carta ao Dr. José Cortez de Lucena, que foi promotor Público em Goiás, tendo sido removido para a Comarca de Porto Nacional, pela Portaria nº 36, de 4 de maio de 1948, do Procurador Geral de Justiça daquele Estado.

AUTÊNTICO DEPOIMENTO

As informações do antigo Promotor Público de Porto Nacional constituem minucioso e autêntico depoimento, como veremos em seguida. Ainda em meio ou junho daquele ano, o Dr. Cortez de Lucena foi procurado pelo Pe. Luso, que também trabalhava em Porto Nacional, “para acompanhá-lo até uma das pensões daquela localidade, para assistir à confissão de uma pessoa que solicitava a presença do Dr. Promotor”.
Vejamos o depoimento do referido Promotor: “Lá chegando, deparei-me com um homem de idade um tanto avançada, contorcendo-se sobre uma cama, coberto de suor, que, apesar de ser ali conhecido por Raimundo Lopes, identificou-se como sendo José Gomes de Sá, que desejava morrer com sua consciência aliviada de um grande crime praticado contra a pessoa do Coronel Delmiro Gouveia, no lugar conhecido por Pedra do Coronel Delmiro, em Alagoas, e pelo qual estavam sofrendo três inocentes de nomes José Inácio Pia, vulgo Jacaré, Róseo Morais e Felix de Tal; que ele e José Rodrigues, de Piranhas, eram os únicos responsáveis”.
Concluindo o seu minucioso informe, escreve Dr. Cortez de Lucena: “tomada por termo a confissão, perante os testemunhos do padre luso, do advogado Oswaldo Leal e do fazendeiro Pedro Castanheira, foi dito documento concluso ao MM. Juiz de Direito da Comarca – Luiz do Couto Cornélio Brom – para ser encaminhado ao então Egrégio Tribunal de Apelação de Alagoas, para os devidos fins de Direito. O que julgo tenha acontecido”.
Esse termo de auto-identificação pessoal e confissão pública de José Gomes de Sá não foi encontrado no arquivo do tribunal de Justiça de Alagoas, ao que nos informou o Desembargador Hélio Rocha Cabral de Vasconcelos, em carta de 14 de abril deste ano. Como tem acontecido a muitos outros arquivos, o do Tribunal de Justiça alagoana também foi vítima da injúria do tempo e descaso dos homens.

SOBREVIVEM TESTEMUNHAS

Conseguimos saber o nome completo e o endereço atual do sacerdote que convidou o Dr. José Cortez de Lucena a testemunhar, com duas outras pessoas de categoria, a confissão pública do suposto Raimundo Lopes, nos meados de 1948. O nome desse padre é Luso Matos, que continua residindo em Porto nacional, conforme resposta telegráfica do Sr. Bispo daquela Diocese goiana, Dom Frei Celso Pereira de Almeida, ao Monsenhor Severino Nogueira.
Quanto ás duas outras testemunhas da confissão pública de Raimundo Lopes, que então revelou ser, na verdade, José Gomes de Sá, recebemos autorizada informação do Sr. Jurimar Macedo, Prefeito de Porto nacional. Em telegrama de 6 do corrente, ele esclarece: “advogado Oswaldo Leal já falecido vg Pedro castanheira reside em Pium”, que é uma cidade vizinha a Porto Nacional, na Microrregião Médio Tocantins-Araguaia, no Estado de Goiás.

CRIME TRAIÇOEIRO E BEM PLANEJADO

Os “coronéis” José Rodrigues de lima e José Gomes de Lima e Sá estavam estrategicamente situados nas extremidades da Estrada de Ferro Paulo Afonso, o primeiro em piranhas, no estado de alagoas, e o segundo em jatobá, no território pernambucano. A meio caminho, no km 54 dessa ferrovia, Delmiro Gouveia fundara o núcleo industrial da pedra, que ele próprio dirigia autoritariamente, como todos os civilizados dores de terras ou apóstolos de almas. Por isso mesmo, os dois inimigos do sertanista moderno encontraram, facilmente, quem o eliminasse.
Os “Coronéis” José Gomes e José Rodrigues aproveitaram-se do ódio que votava a Delmiro o pequeno agricultor Herculano Soares Vilela, em um sítio na Serra do Cavalo, perto da cidade de água Branca. Os dois mandantes do crime forneceram as armas e o “serviço” foi feito com precisão, pelo próprio Herculano, seu cunhado Luiz dos Angicos e seu “cabra” Manuel Vaqueiro. O crime foi traiçoeiro e rápido, às oito e meia da noite de 10 de outubro de 1917. Sabe-se que o agricultor Herculano confessou a autoria material do crime, antes de morrer. Entretanto, os seus familiares jamais quiseram dar testemunho sobre essa revelação.

SENTENÇA DE MORTE À LINHA “ESTRELA”

Antes que a finança internacional pretendesse matar Delmiro Gouveia, o “coronelismo” nordestino o eliminou. Decorridos 12 anos da morte do Pioneiro de Paulo Afonso, a Machine Cottons conseguiu fechar a fábrica de linhas da Pedra, através de um contrato firmado em Pais-Ley, na Escóssia, exatamente no dia de Finados do ano da Graça de 1929.
Foi o que dissemos e documentamos no capítulo Sentença de Morte à Linha “Estrela”, de nosso livro DELMIRO GOUVEIA, O PIONEIRO DE PAULO AFONSO.Essa fábrica de linhas, inaugurada por Delmiro Gouveia em 6 de junho de 1914, foi vendida por seus herdeiros , em 7 de maio de 1927, aos industriais recifenses Menezes Irmãos. Sem o apoio do Presidente Washington Luís e do Congresso Nacional, os Meneses foram obrigados a aceitar a pena de morte contra a sua indústria de linhas, decretada na Escócia, no dia de Finados do ano de 1929.

(*) Advogado, Escritor e Jornalista.

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