Delmiro Gouveia já está incorporado, não só à História do Brasil, como à mitologia nordestina, exemplo dos homens dotados de bravura suficiente para enfrentarem o poder dos trustes estrangeiros. Sua batalha com a “Machine Cotton”, fabricantes da linha CORRENTE, teve aspectos de uma luta corpo a corpo, em que as manobras de um dos contendores eram, imediatamente, respondidas pelo adversário vigilante. Delmiro não se impressionou com o título de “brasileira”, adotado pela companhia inglesa, que fizera questão de inscrever-se como “Companhia Brasileira de Linhas”, e a enfrentou como uma empresa em que, por ser, de fato, brasileira, não precisava de gentílico de proteção. Denominava-se Companhia Agro Fabril Mercantil, instalada na cidade de Pedra, no sertão alagoano. E para dotá-la de energia elétrica, foi montar uma pequena usina nos flancos da Cachoeira de Paulo Afonso, numa iniciativa que sugeria lances de acrobacia, ou aventuras de alpinismo, tais as dificuldades no acesso ao lugar em que ela foi instalada. Precisou recorrer à bravura dos instaladores.
Para narrar a história desse extraordinário pioneiro, nascido no Ceará, de mãe pernambucana, já existe alentada bibliografia, com as obras de Tadeu Rocha (“Delmiro Gouveia – o Pioneiro de Paulo Afonso”), de Félix Lima (“Delmiro Gouveia – o Mauá do Sertão Alagoano”), de F. Magalhães Martins (“Delmiro Gouveia – Pioneiro e Nacionalista”), de Geraldo Sarno e Orlando Senna (“Coronel Delmiro Gouveia”). E estou certo de que não esgotei a lista dos livros que até agora lhe foram dedicados e a que serviu de inspiração.
Mas ainda havia alguns temas a desbravar. Delmiro Gouveia morreu assassinado , a 10 de abril de 1917, e circulavam diversas versões para explicar a autoria do delito, não somente quanto aos seus executores, como aos motivos que poderiam ter determinado a sua eliminação. Disputa de prestígio político? Vingança? Desagravo de pessoas a quem ele teria humilhado publicamente? Não faltou quem associasse o seu assassinato com os interesses e maquinações do truste estrangeiro que com ele concorria.
Um jornalista de Alagoas, Jorge Oliveira, teve oportunidade de ouvir um dos acusados da autoria do delito, e que pagou na prisão metade da pena de sua condenação, no júri a que foi submetido, juntamente com um suposto cúmplice que fugira da prisão e acabara vítima da própria polícia na operação de captura. Mas o condenado sobrevivente insistiu na revisão do processo, apresentando provas que foram acolhidas, e que resultaram na sua absolvição, em novo julgamento. Chamava-se ele Róseo Moraes do Nascimento. Duas vezes comparecera a júri, e duas vezes fora condenado a 30 anos de prisão, numa fase em que não se admitia que o assassinato de Delmiro Gouveia não tivesse responsável. Embora fossem processados os indiciados como simples mandatários, e executores de um crime, em que um presumido mandante, poderoso chefe político do sertão alagoano, não chegara a ser incomodado, muito menos punido. Cousa desse nosso Brasil dos “coronéis”.
De resto, toda a prova apresentada contra os réus consistia, apenas, na sua confissão. As provas circunstanciais eram irrelevantes. Mas havia necessidade de não deixar impune o assassinato de Delmiro Gouveia. Esta em causa a honra e o prestígio do Governo de Batista Acioli e da polícia a seu serviço.
E como se obtivera a confissão dos dois indiciados? O livro de Jorge Oliveira o relata fielmente. Foram trinta dias de torturas sistemáticas, a que não resistiria nenhuma criatura humana. Que vale, ainda hoje, para as autoridades policiais, o cidadão brasileiro? Que valeria a cinqüenta anos passados? O Major de polícia, encarregado das diligências, tinha toda a sua carreira dependendo do êxito com que correspondesse à confiança do Governador do Estado. Dois pobres diabos, trabalhadores de campo, se opunham a tão exigentes interesses. Havia que confessar, e acabaram confessando. Quem mandou valorizar a confissão na instrução dos processos criminais? Pois Beccaria já não nos havia advertido de que ela não passava de “um infame crisol da verdade”? Quando a tortura já é,em si mesma, um castigo, o pior dos castigos, concorrendo para a desintegração de uma personalidade, sob o peso de sofrimentos cruciantes. Não é por outras razões que sempre entendi que bastava fazer prova das torturas dos pacientes, para que merecessem absolvição imediata, fosse qual fosse o crime de que estivessem sendo acusados.. para que outra punição, se já haviam suportado, e sofrido, a maior de todas?
Esse é o objetivo deste livro de Jorge Oliveira: revelar as razões, e eu diria melhor, os sofrimentos, que levaram Róseo Moraes do Nascimento a confessar. Confessou a sua participação no assassinato de Delmiro Gouveia, como em qualquer outro crime que lhe fosse atribuído. Tanto ele como o cúmplice que haviam encontrado, José Inácio Pia, viram na confissão a única maneira de dar paradeiro à crueldade das torturas. Um caso em tudo e por tudo semelhante ao dos irmãos Naves, que acabaram confessando um crime que não existia, em face de um assassinato de que a vítima continuava viva, como se demonstrou com o seu aparecimento, passados muitos anos da instauração e da conclusão do processo. Há que divulgar fatos dessa natureza para que se forme, na consciência popular, uma reação necessária contra a utilização da tortura. Esse o grande mérito do livro de Jorge Oliveira.
(in “Eu Não Matei Delmiro Gouveia”, de Jorge Oliveira – Ed. SERGASA – 1984, Prefácio)
(*) Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, jornalista, ensaísta, historiador e político brasileiro, presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) nasceu em Recife (PE) em 22.01.1897 e faleceu no Rio de Janeiro em 16.07.2000.
Para narrar a história desse extraordinário pioneiro, nascido no Ceará, de mãe pernambucana, já existe alentada bibliografia, com as obras de Tadeu Rocha (“Delmiro Gouveia – o Pioneiro de Paulo Afonso”), de Félix Lima (“Delmiro Gouveia – o Mauá do Sertão Alagoano”), de F. Magalhães Martins (“Delmiro Gouveia – Pioneiro e Nacionalista”), de Geraldo Sarno e Orlando Senna (“Coronel Delmiro Gouveia”). E estou certo de que não esgotei a lista dos livros que até agora lhe foram dedicados e a que serviu de inspiração.
Mas ainda havia alguns temas a desbravar. Delmiro Gouveia morreu assassinado , a 10 de abril de 1917, e circulavam diversas versões para explicar a autoria do delito, não somente quanto aos seus executores, como aos motivos que poderiam ter determinado a sua eliminação. Disputa de prestígio político? Vingança? Desagravo de pessoas a quem ele teria humilhado publicamente? Não faltou quem associasse o seu assassinato com os interesses e maquinações do truste estrangeiro que com ele concorria.
Um jornalista de Alagoas, Jorge Oliveira, teve oportunidade de ouvir um dos acusados da autoria do delito, e que pagou na prisão metade da pena de sua condenação, no júri a que foi submetido, juntamente com um suposto cúmplice que fugira da prisão e acabara vítima da própria polícia na operação de captura. Mas o condenado sobrevivente insistiu na revisão do processo, apresentando provas que foram acolhidas, e que resultaram na sua absolvição, em novo julgamento. Chamava-se ele Róseo Moraes do Nascimento. Duas vezes comparecera a júri, e duas vezes fora condenado a 30 anos de prisão, numa fase em que não se admitia que o assassinato de Delmiro Gouveia não tivesse responsável. Embora fossem processados os indiciados como simples mandatários, e executores de um crime, em que um presumido mandante, poderoso chefe político do sertão alagoano, não chegara a ser incomodado, muito menos punido. Cousa desse nosso Brasil dos “coronéis”.
De resto, toda a prova apresentada contra os réus consistia, apenas, na sua confissão. As provas circunstanciais eram irrelevantes. Mas havia necessidade de não deixar impune o assassinato de Delmiro Gouveia. Esta em causa a honra e o prestígio do Governo de Batista Acioli e da polícia a seu serviço.
E como se obtivera a confissão dos dois indiciados? O livro de Jorge Oliveira o relata fielmente. Foram trinta dias de torturas sistemáticas, a que não resistiria nenhuma criatura humana. Que vale, ainda hoje, para as autoridades policiais, o cidadão brasileiro? Que valeria a cinqüenta anos passados? O Major de polícia, encarregado das diligências, tinha toda a sua carreira dependendo do êxito com que correspondesse à confiança do Governador do Estado. Dois pobres diabos, trabalhadores de campo, se opunham a tão exigentes interesses. Havia que confessar, e acabaram confessando. Quem mandou valorizar a confissão na instrução dos processos criminais? Pois Beccaria já não nos havia advertido de que ela não passava de “um infame crisol da verdade”? Quando a tortura já é,em si mesma, um castigo, o pior dos castigos, concorrendo para a desintegração de uma personalidade, sob o peso de sofrimentos cruciantes. Não é por outras razões que sempre entendi que bastava fazer prova das torturas dos pacientes, para que merecessem absolvição imediata, fosse qual fosse o crime de que estivessem sendo acusados.. para que outra punição, se já haviam suportado, e sofrido, a maior de todas?
Esse é o objetivo deste livro de Jorge Oliveira: revelar as razões, e eu diria melhor, os sofrimentos, que levaram Róseo Moraes do Nascimento a confessar. Confessou a sua participação no assassinato de Delmiro Gouveia, como em qualquer outro crime que lhe fosse atribuído. Tanto ele como o cúmplice que haviam encontrado, José Inácio Pia, viram na confissão a única maneira de dar paradeiro à crueldade das torturas. Um caso em tudo e por tudo semelhante ao dos irmãos Naves, que acabaram confessando um crime que não existia, em face de um assassinato de que a vítima continuava viva, como se demonstrou com o seu aparecimento, passados muitos anos da instauração e da conclusão do processo. Há que divulgar fatos dessa natureza para que se forme, na consciência popular, uma reação necessária contra a utilização da tortura. Esse o grande mérito do livro de Jorge Oliveira.
(in “Eu Não Matei Delmiro Gouveia”, de Jorge Oliveira – Ed. SERGASA – 1984, Prefácio)
(*) Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, jornalista, ensaísta, historiador e político brasileiro, presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) nasceu em Recife (PE) em 22.01.1897 e faleceu no Rio de Janeiro em 16.07.2000.
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